O Silêncio

Na fazenda Morro Verde, encravada na zona rural de Ibirataia, a vida sempre se manifestou em abundância. O verde não era apenas cor: era res...



Na fazenda Morro Verde, encravada na zona rural de Ibirataia, a vida sempre se manifestou em abundância. O verde não era apenas cor: era respiração. O canto dos pássaros marcava o tempo, o bater das asas riscava o céu, e o som dos macacos ecoava como riso solto entre as árvores antigas. Ali, tudo pulsava. Até que um dia, sem aviso, uma nuvem cinza desceu sobre aquele chão fértil, não vinda do céu, mas erguida pelas mãos frias dos poderosos da lei.

Dona Nicézia, mulher de idade avançada e coração ainda mais vasto, viu o mundo que construíra com amor se desfazer diante dos seus olhos cansados. Seus fios brancos, marcados pelo tempo e pela ternura, não foram respeitados. O que lhe davam motivo para acordar, respirar e existir foi arrancado sem dó, sem piedade, sem escuta. Um a um, os animais que cuidara como filhos foram levados sob o peso de uma justificativa seca chamada “ilegalidade”. Macacos, araras, jacarés — vidas que não eram posse, mas companhia; não eram fauna, mas afeto. Foram separados dos braços que os acolhiam, do olhar que os entendia, do amor que nunca exigiu nada em troca.

Depois disso, a fazenda silenciou.

O Natal chegou à cidade. As ruas se cobriram de luzes, o comércio se encheu de cores, árvores enfeitadas, vitrines brilhantes e promessas de alegria. Tudo reluzia. Mas, em Morro Verde, nenhuma luz alcançava o escuro que se instalara. Nenhum enfeite preenchia o espaço deixado pelos cantos, pelos passos leves, pelos ruídos vivos da natureza. O que restou foi um vazio pesado, uma solidão que se sentava ao lado da cama e não ia embora.

Como escreveu Mário Quintana em seu Poema Esperança: “Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam: — O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...”. Mas, para Dona Nicézia, a esperança começou a se dissolver com os dias. Escorreu pelos dedos junto com a fome, a sede e a vontade de levantar. Sem o som dos pássaros ao amanhecer, sem as macaquices que faziam rir o coração, o silêncio se tornou ensurdecedor. Um silêncio que gritava mais alto do que qualquer palavra e que o coração, já cansado, não conseguiu suportar.

Pararam as pisadas suaves pela terra, cessaram as conversas murmuradas com os animais, calaram-se as histórias do existir. E o que restou? Apenas o eco do que foi. Apenas o vazio e a saudade.

Uma ligação, uma mensagem, um ato distante e impessoal foi suficiente para afastar uma senhora de suas alegrias e antecipar o fim. A morte não queria levá-la naquele momento, mas, diante de tamanha melancolia, não teve escolha. A tristeza abriu a porta. E lá, nos mais altos céus, de braços abertos, os anjos a receberam. Toda a dor ficou para trás, dissolvida no infinito.

Aqui na terra, na fazenda Morro Verde, ficou o silêncio — pesado, profundo, quase palpável. Ficaram as lembranças e a saudade. Não é um adeus. É apenas um até logo, sussurrado entre árvores que ainda se lembram do amor que ali viveu.

Um texto de Juan Pablo

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