Brincando com o tempo
Ontem à noite, enquanto caminhava pelas ruas tingidas pela nostalgia do fim de tarde, vi as primeiras fogueiras acesas. Elas surgiam como se...
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Ontem à noite, enquanto caminhava pelas ruas tingidas pela nostalgia do fim de tarde, vi as primeiras fogueiras acesas. Elas surgiam como sentinelas do tempo, anunciando a chegada de junho — mês de São João, o mais ansiado por todo nordestino que guarda no peito a memória quente das celebrações juninas. O cheiro do milho assando lentamente na brasa misturava-se ao aroma da canjiquinha, do amendoim torrado e de tantas outras iguarias que, por si só, já trazem consigo a lembrança de braços dados, risos frouxos e mesas fartas. Era mais que festa — era ritual. Um calor que não vinha só da lenha, mas dos encontros, da presença dos que amamos e da ternura compartilhada. O amor, nesse mês, parecia se manifestar com mais coragem, mais vontade.
Cada casa se vestia de sua maneira, colorida e iluminada por suas próprias histórias. Famílias grandes e pequenas se reuniam ao redor das chamas, aquecidas não apenas pelo fogo, mas pelo pertencimento. E mesmo aqueles que não tinham uma família por perto eram recebidos por vizinhos e amigos — ali, solidão não tinha vez. As crianças corriam com suas bombinhas, pequenas explosões de alegria que rasgavam a noite em estalos e gargalhadas. Os adultos dançavam, os idosos contavam histórias de um tempo que parecia mais leve, mais gentil. Tudo ali era mágico, quase místico, e se eu tivesse o poder de parar o tempo, o faria. Faria isso para permanecer naquela versão de mim que ainda acreditava que a maior preocupação era tirar boas notas, que a maior alegria era brincar descalço na rua e correr feito doido na época do São João, com bombinhas em mãos e o cuidado de não causar encrenca com os vizinhos.
Minha maior raiva era perder numa partida de bolinha de gude. Mas se eu soubesse, naquela época, o quanto era bom ser criança, teria brincado um pouco mais. Teria vivido mais devagar. Teria saboreado mais fundo cada momento.
Hoje, como quem é surpreendido por uma memória viva, deparei-me com uma cena tão simples quanto extraordinária: crianças e adolescentes brincando de esconde-esconde na rua. Sem celulares nas mãos, sem olhos fixos em telas. Apenas risos, pernas correndo soltas, vidas sendo vividas com a naturalidade de quem ainda não sabe o peso do tempo. Por um instante, tive vontade de parar, pedir licença e brincar também. Mas o reflexo no vidro de um carro me lembrou da inevitável travessia do tempo: aquela criança que eu fui já não estava mais visível. Ainda assim, ela não havia morrido.
Segui meu caminho com o passo arrastado de quem sabe que deixou algo para trás. A criança dentro de mim — embora invisível aos olhos — pulsava, vibrava, gritava por uma chance de reaparecer. De voltar a sorrir por qualquer coisa, de se machucar numa queda, chorar um pouco, e depois levantar como se nada tivesse acontecido, pronto para brincar de novo.
Voltar no tempo é impossível. Mas viver o tempo presente, esse sim, ainda é um dom ao nosso alcance. Meu eu adulto não vai sufocar a criança que ainda vive aqui dentro. Ela vai pintar o mundo à sua maneira, sem pedir licença. Vai brilhar mesmo sob olhares tortos, mesmo que digam que não é hora de brincar. Porque mesmo com boletos acumulando na geladeira, trabalhos pendentes, uma graduação por terminar — mesmo com a vida adulta exigindo seriedade —, a minha criança vai brincar. Vai sonhar. Vai imaginar. Antes que tudo, sem aviso, descolorirá.
Por: Juan Pablo